===== BISTAMI – DITOS 400-464 ===== BistamiD - Quem retorna à morada do eu não está mais disposto a invocar Suas palavras. - Levantei-me na véspera, buscando invocar a Deus. Mas não pude. Pareceu-me grosseira a palavra que pronunciei quando era criança. Disse a mim mesmo: “Como invocá-Lo por uma língua em que aflorou tal palavra?” - Esta palavra é como uma queda de neve no verão: que isso aconteça é estranho, mas que isso dure é ainda mais estranho. - De todos os que entram por esta porta, nenhum consegue falar nem ouvir. É penoso para o impotente ser obrigado a fazer tudo por si mesmo e a comer com as próprias mãos. - Que dizes daquele a quem foram concedidos dois apoios: se quer, apoia-se naquele; e se quer, apoia-se neste. - Abû Yazid falava das estações elevadas e dos graus superiores que havia alcançado. Isso chegou a alguém que disse: — Isto não é possível. Relataram essa fala a Abû Yazid, que respondeu: — Diga-lhe: “E você, é capaz de ser?” - A invocação de Deus em voz alta é um descuido. - Se o mestre enviasse um de seus alunos em uma corrida e, no caminho, passando por uma mesquita, ele ouvisse o muezim e dissesse: “Primeiro entro na mesquita e faço minha oração, deixarei minha corrida para mais tarde”, tal aluno cairia em um poço sem fundo. - Basta que você não veja em ninguém além Dele a ajuda que o sustenta, o tesoureiro que gerencia seu bem, a prova que autentica sua obra: tal seria a Confiança. - Os humanos pensam que o caminho que leva a Deus é mais notório que o sol e mais evidente. Quanto a mim, peço a Ele que me abra de Seu caminho, nem que seja o equivalente a uma ponta de agulha. - — Qual é o sinal mais glorioso do iniciado? — Ele compartilha sua mesa, mistura-se intimamente a você, presta-lhe homenagem enquanto seu coração permanece no reino do sagrado. - Quem é sinceramente livre no seio da união se atém com todo o seu ser às conveniências da servidão, enquanto em seu íntimo contempla o Verdadeiro. E quando se encontra na separação, reúne os esforços de que são capazes os zelosos de Sua servidão: tal soma de esforços assemelharia-se aos átomos de poeira que esvoaçam em um raio de luz. - — Quando o homem atinge a estação dos homens neste assunto? — Quando ele tiver conhecido os defeitos de seu eu e os tiver triunfado. - É muito bonito que você não saiba que é um homem do mal; mas se você for examinado e interrogado, você cairá na acusação. - Ele me enlouqueceu por meu próprio eu, eu morri. Ele me enlouqueceu por Ele, eu sobrevivi. Ele me enlouqueceu por Ele e eu juntos, eu entrei na ausência. Então ele me depositou no degrau da lucidez e me interrogou sobre meus estados. Eu disse: — Vindo de mim a loucura é aniquilamento, de Ti ela é perenidade, de Ti e eu, ela é clareza. E em todo estado, Tu és o edifício preferido. - Junayd disse: — As pessoas caminham a passos forçados em seus domínios. Ao atingir o domínio de Abû Yazid, elas caminham à vontade, e rápido. - O sufismo é uma luz resplandecente que cativa os olhares assim que a vislumbram. - O eu considera o mundo, o espírito a vida futura, o conhecimento o Mestre. Aquele em quem o eu triunfa contará entre os condenados; aquele em quem o espírito domina se juntará aos zelosos; aquele em quem o conhecimento se estende acompanhará os piedosos crentes. - Moisés, sobre ele a paz, desejou ver a Deus. Eu, não procurei Vê-Lo, foi Ele quem quis me ver. - Abû Yazid estava em Meca com um de seus alunos. Quando ele entrou em Medina, Meca veio e girou ao redor dele. Ora, seu aluno perdeu a consciência e caiu no chão. Quando ele recuperou os sentidos, Abû Yazid acariciou sua cabeça e disse: — Você ficou surpreso. — Sim. — Por Deus, se fosse Bistam quem tivesse vindo a mim, não teria sido suficiente. - Abû Yazid partiu para ver um de seus irmãos em Balkh. Após visitá-lo, ele foi à beira do Oxo, para além de Balkh. Ao chegar, as duas margens do rio se uniram. Ele disse: — Senhor, por que esse estratagema? Por Tua glória, meu Querido! Eu não Te adorei por isso. Por Tua glória! Eu não desejei isso. Então ele voltou sem ter atravessado o rio. - Convidou meu eu a Deus, ele recuou, eu o abandonei, fui só a Ele. - — Todos temem o Julgamento, gostariam de ser poupados, e eu peço a Deus que me julgue. — E por quê? — Talvez Ele me diga: “Meu servo!”, e eu responderei: “Aqui estou!” Assim Ele faria de mim o que quisesse. - Eu vi os homens aqui embaixo se deleitarem em beber, comer, casar. O mesmo no além. Então coloquei meu prazer em Sua invocação aqui embaixo, em Sua contemplação no além. - Quem se familiariza com a linguagem, Deus lhe concede um entendimento para falar com os homens. E se é a Ele que deseja se dirigir, Deus lhe concede uma inteligência que o dispõe a se confiar a seu Senhor. - Convidei meu eu à obediência de Deus, ele recusou. Por isso o privei de água por um ano. - Deus Altíssimo possui uma bebida que oferece à noite a Seus amigos. Eles a bebem; e seus corações, movidos por Seu amor e Sua nostalgia, voam para o altíssimo reino do Invisível. - Em meu coração Tu semeaste o grão do amor. Antes do dia do Chamado serei aliviado. Na união Tu feriste meu coração. O desejo cresce assim que o amor aparece. Ele me serve para beber, meu coração renasce. A taça dos amantes se nutre da paixão. Se não fosse o Verdadeiro que os protege, Os iniciados divagariam pelos vales. - Abû Yazid viu um homem conduzindo um asno. Ele disse: — Qual é o seu ofício? — Sou o servo do asno. — Que Deus leve seu asno, assim você será o servo de Deus, não de um asno. - — Você é Abû Yazid! — Mas quem é Abû Yazid? Quem o conhece? Abû Yazid chama Abû Yazid e não o encontra. - O Primeiro e o Último, o Aparente e o Oculto: desses quatro nomes os santos participam. É perfeito quem neles se aniquila após ter sido impregnado. Quem participa do Aparente constata as maravilhas de Sua potência. Quem se une ao Oculto observa o que acontece nas profundezas. Quem toma parte no Primeiro se vê encarregado dos tempos passados. E quem perscruta o conteúdo do Último estabelece a ligação com o futuro. - Interrogado sobre o conhecimento depois que seus poderes lhe foram revelados, ele disse: — “Quando os reis penetram em uma cidade, eles a saqueiam.” - Os seres têm estados, o iniciado não os tem. Os vestígios de seu eu se apagaram. Ele não contempla senão Deus Altíssimo, no sono, na vigília. - Interrogado sobre o amor, ele disse: — Reduza sua própria abundância a pouco, e transmute a penúria de seu Amado em prosperidade. - Fico admirado quando se diz: Eu invoco meu Senhor. Eu O esqueci para invocá-Lo? Bebi o amor taça após taça. Há sempre o que beber. E ainda tenho sede. - Deus fez de Iblis um cão entre Seus cães. Ele fez deste mundo uma carniça. Ele fez Iblis sentar onde este mundo termina, onde o além começa. Ele lhe disse: “Ponho sob sua autoridade quem se inclina sobre a carniça.” - Um dos amigos de Abû Yazid conta: “Eu conhecia um jovem dedicado ao retiro. Perguntei-lhe: — Você viu Abû Yazid? — Não. Alguns dias depois, à mesma pergunta, ele respondeu também: — Não. Insistindo, ele me explicou: — Eu vi Deus; eu passo sem Abû Yazid. Eu o importunei. Em vão. Ele me irritou. Eu disse: — Ver Abû Yazid uma vez seria mais útil do que ver Deus setenta vezes. Ele disse: — Vamos até ele. Partimos em busca de Abû Yazid. Lá estava ele saindo do rio com a pelisse jogada sobre o ombro. Ao vê-lo, o jovem gritou e expirou. Eu disse a Abû Yazid: — O que significa isso? Ele afirma ter visto Deus e não morreu por isso, ele te vê e morre? — Sim. Ele via Deus na medida de seu estado. Ao me olhar, ele viu Deus na medida do meu estado; não podendo se manter, ele morreu. Então, nós o transportamos, lavamos, envolvemos em um sudário; Abû Yazid orou por ele, o enterrou e chorou.” - Eu estava sentado uma noite em meu mihrab. No momento em que estendi a perna, uma voz me interpelou: — Quem frequenta os reis deve se conformar às regras da boa conduta. - Quem pretende obter a união assaltando o Verdadeiro precisa se ater à servidão. - Uma vez Abû Yazid chamou para a oração. E, ao reunir as pessoas, ele viu em uma fila um homem com sinais de viagem. Ele se aproximou e falou com ele. O homem se levantou e deixou a mesquita. Mais tarde, interrogado por um dos presentes, ele disse: — Eu estava viajando. E na ausência de água, me purifiquei com abluções secas. E, esquecendo meu estado, entrei na mesquita. Foi então que Abû Yazid me disse: “A ablução seca não é lícita em terra habitada.” Saí, então. - Felicidade eterna, graça eterna. - Ele me carregou uma vez em Suas mãos e me disse: — Abû Yazid, Minhas criaturas querem te ver. Eu respondi: — Adorna-me com Tua unicidade, veste-me com Teu ego, eleva-me à Tua unidade. Então, se Tuas criaturas me virem, elas dirão: “Nós te vimos.” E será a Ti que elas terão visto, não a mim. - — Assim que alcancei o reino de Sua unicidade, fui transformado em um pássaro cujo corpo era a unidade e as asas a duração. Enquanto eu continuava a voar nos céus do “como” por dez anos. Voei nesses céus até cem mil vezes. E não parei de voar a ponto de ultrapassar o domínio da eternidade. Lá vi a árvore da unidade. Depois de descrever seu solo, suas raízes, seu tronco, seus galhos, seus frutos, ele disse: — E eu olhei, e soube que tudo isso era apenas ilusão. - Eu sobrevoava o domínio do Não-Ser. E não parava de sobrevoá-lo por dez anos. E me tornei um não-ser dentro do Não-Ser, sendo pelo Não-Ser. E eu pairava sobre o território da perdição, e eu me perdi na perda de toda perda. Assim eu me perdi. Eu me perdi no território da perdição, sendo pelo Não-Ser, dentro do Não-Ser, na perda de toda perda. Então eu sobrevoei a cena onde se testemunha a pura unidade ora como iniciado ausente à sua condição de ser criado, ora como ser criado ausente ao seu estado de iniciado. - Plantei minha tenda perto do Trono. - Atravessando um cemitério judeu, ele disse: — Perdoados! Passando por um cemitério muçulmano, ele disse: — Enganados! - Que Tu me obedeças, Senhor, é mais glorioso do que eu Te obedecer. - Adão — sobre ele a paz — vendeu por um bocado a presença de seu Senhor... Se Deus aceitasse minha intercessão em favor dos primeiros e dos últimos, isso não seria grande coisa para mim: eu teria intercedido no máximo por um bocado de argila. - Se Ele aceitasse sua intervenção em favor de todas as criaturas, não seria muito. Seria apenas uma intercessão por um pedaço de argila. - Passando por um cemitério judeu, Abû Yazid disse: — O que são esses para que Tu os supliques? Basta! Ossos que tanto sofreram! Perdoa-lhes. - — O que é o fogo? — Amanhã eu o reivindicaria. E eu diria: “Que eu seja para aqueles que a ele se destinam a vítima expiatória.” Senão, eu o engoliria. - — O que é o paraíso? — Um jogo de crianças. - Mergulhei em um oceano cujas margens os profetas não transpuseram. - Recitaram diante de Abû Yazid: — “O dia em que reuniremos, como convidados nobres, aqueles que temem o Misericordioso.” Ele se agitou, se excitou e disse: — Quem permanece com Ele não precisa ser convidado, é Seu conviva para sempre. - Amei a Deus e odiei meu eu. Detestei este mundo e amei a obediência a Deus. - Junayd disse: — Na Verdade de Bistami, todos pereceram sob o império da ilusão. Inclusive Bistami. - Quem morre de amor é redimido por Sua visão. Quem morre de paixão é redimido por Sua comensalidade. - — Os iniciados que visitam a Deus no além são de duas sortes: uns O encontram quando e onde querem; outros O veem uma única vez. Disseram-lhe: — Como? Ele respondeu: — Quando os iniciados O encontram pela primeira vez. Ele lhes estabelece um mercado onde nada se vende a não ser efígies de homens e mulheres; aqueles que penetram no mercado nunca mais visitarão a Deus. Ele disse: — Aqui e no além, Ele te engana pelo mercado. Você é para sempre o escravo do mercado. - Pensei em pedir a Deus Altíssimo para me livrar da necessidade de comida e de mulheres. Então disse a mim mesmo: “Como dirigir tal pedido a Deus se Seu Enviado não o fez?” Assim, abstive-me. Mas Deus me descarregou do desejo das mulheres, a ponto de minha indiferença ser igual diante de uma mulher ou de uma parede. - A duplicidade dos iniciados vale mais do que a retidão dos discípulos. - — Que idade você tem? — Quatro anos. — Como é possível? — Por setenta anos, eu estava velado; só O vejo há quatro anos; o tempo do véu não conta. - — Por que você exalta a fome? — Se Faraó estivesse na fome, ele não teria dito: “Eu sou o vosso Senhor, o Altíssimo”; e se Coré estivesse na fome, não teria sido tomado pela violência; e enquanto Tha’laba vivia na fome, era louvado por todos; uma vez saciado, a hipocrisia apareceu nele. - A contração do coração na dilatação do eu; e a dilatação do coração na contração do eu. - — Quem é o príncipe? — Quem não tem mais escolha; a escolha do Verdadeiro torna-se a sua. - A impiedade daqueles que anseiam ardentemente é mais saudável do que a fé dos indolentes. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}