Uma estrutura absoluta da percepção (Abellio)

(Abellio1965, p. 43-52)

Na atitude natural, “me” vejo simplesmente confrontado ao mundo, face a face com ele, em dualidade simples com o mundo. Vejo algo, por exemplo um livro posto sobre a “minha” mesa, e a visão não vai além desta relação simples: este livro e mim mesmo, o par candidato a sujeito-objeto, mas de fato um percebido e um percebedor. No entanto, é preciso examinar mais de perto o desdobrar de um terceiro aspecto, geralmente ignorado, formando uma tríade entre percebido e percebedor: o perceber ou a percepção. Sigamos o percurso deste modo de realização da realidade em percebedor-percebendo-percebido, proposto por Raymond Abellio.

A “estrutura absoluta” pode ser entendida como um apontamento para o operação do que os gregos denominavam “noûs”, que Heidegger traduz por “o notar que apreende o notado”2)). Ou seja, a estrutura absoluta aponta para os modos de desvelamento “nos quais o ser-aí descerra o ente (o sendo) como atribuição e negação” 3), com relevância maior para os modos de desvelamento “techne” (arte, perícia, técnica), vetor para baixo na figura acima, e “sophia” (compreensão, sabedoria), vetor para cima na figura.

1)
Ética a Nicômaco, Livro VI, III
2)
HEIDEGGER, Martin. Platão o Sofista. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 22
3)
“Cinco são os modos, portanto, nos quais o ser-aí humano descerra o ente como atribuição e negação. E esses modos são: saber-fazer (techne) – na ocupação na manipulação, na produção –, ciência (episteme), circunvisão (phronesis) – intelecção –, compreensão (sophia), suposição apreendedora (noûs)” (ibid, p. 21).