Mística como acústica (Zolla)
Zolla, Dal tamburo mangiai, dal cembalo bevvi…
Sempre diante dos olhos da alma (ou seja, do ouvido) há um modelo ao qual convém tender, aperfeiçoando, podando, ouvindo.
B. PASTERNAK, Ensaio sobre Chopin
O místico se coloca além do conhecimento discursivo, mas não no sentido moderno de uma difamação do intelecto em favor de uma intuição que coincida com o senso comum e o estereótipo sentimental. A irracionalidade moderna significa apenas que se persegue o princípio crítico e, consequentemente, a ordem lógica do discurso intelectual. A supra-racionalidade mística e seu sacrifício do intelecto são, ao contrário, um convite a não se petrificar nas determinações do discurso como se elas esgotassem a realidade — é um posicionar-se do lado do mistério, sem o qual o intelecto não teria vida, pois este é sua fonte.
O misticismo é conhecimento completo em relação ao intelecto discursivo, que organiza o conhecimento segundo um modelo meramente óptico.
Aquele que conhece discursivamente delimita, ou seja, estabelece limites visíveis ou descreve traçando uma linha ao redor; ele intui ou contempla, mas nunca saboreia intelectualmente, nem sequer escuta seus princípios primeiros (como faz o místico) . Os próprios fins da explicação, como clareza ou precisão, são conceitos elaborados a partir do reino da visibilidade. O que é uma forma de dizer que toda explicação avança em direção à abstração, sendo a visão o sentido mais abstrato , e nos assegura da existência dos objetos principalmente por meio do tato.
O conhecimento discursivo é uma organização que se afasta cada vez mais dos sentidos do tato e do olfato para se fixar na audição e, depois, apenas na visão, num processo lento, desde a descoberta do alfabeto (a primeira espacialização das unidades do discurso). Enquanto o conhecimento para os hebreus é essencialmente um ouvir, nos gregos assume o caráter de ver. Originalmente, as κατηγορίαι eram “acusações pronunciadas num julgamento”, mas já Aristóteles, ao defini-las, se vale de metáforas extraídas da visão. A introdução da imprensa aumentou a primazia da visibilidade; antes, os livros falavam, as frases expressavam, as palavras indicavam; depois, passou-se a pensar nos livros como recipientes de frases que expressam ideias, contendo verdades. Com a imprensa, o conhecimento é cada vez menos uma transmissão auditiva e cada vez mais um mundo diagramático de objetos silenciosos. Palavras como “estrutura” e “método” passam a predominar. Na lógica do século XVI, com Pietro Ramo e Agricola, a linguagem se divide em estrutura e efeito, “e só após uma longa evolução se fixa a atenção nos movimentos úteis para alcançar a eficácia, no método em si mesmo, em vez de nos passos dados pensando num método ou discorrendo sobre ele”; com Ramo, separam-se duas disciplinas antes unidas: a dialética, que apresenta, e a retórica, que ornamenta.
Até o século XVI, o ornamento de uma coisa não estava separado de sua função. Ornamentum significava louvor, honra, luz: o uso linguístico até Shakespeare não distinguia entre louvor e louvável intrínseco; um objeto era ilustre, egrégio em si, não apenas por ser exaltado e magnificado. Com a nova lógica científica, o mundo racional é reduzido ao silêncio, a eloquência aparece como um mal necessário, a retórica como um mero acréscimo, a oratória como um abuso; nega-se que na vida da razão possam interferir relações pessoais, invenções no contexto do diálogo: reconhece-se apenas uma espécie de visão de objetos alegóricos, simbólicos (diagramas, modelos), e pode-se dizer que o Renascimento não foi tanto uma revolta contra a autoridade quanto contra a intrusão de vozes e pessoas em questões científicas; a ideia de que se pudesse chegar a um conceito por meio de uma rima tornou-se uma heresia. A retórica foi posta em relação com a dialética como audição e visão, uma assimilada ao ressonante, a outra ao diagramático e silencioso. Se no início as duas eram distintas, mas não diferentes, para Pietro Ramo não podiam ser senão diferentes, distantes, concebidas como estendidas no espaço e não sobreponíveis no mesmo lugar. A universidade já havia reduzido o diálogo ao monólogo, a impressão à visão. Fortaleceu-se a diferença da civilização ocidental em relação às outras, ao fixar em diagramas e modelos espaciais seu tipo de conhecimento, ao acelerar os processos mentais graças à impressão, pela qual um texto era percorrido rapidamente em vez de ser lido com lentidão, e sua lógica tornou-se topológica (baseada em lugares comuns) e não predicativa (expressa em palavras).
No avanço dessa visibilidade pura do conhecimento, chega-se aos tempos modernos, quando o discurso se torna totalmente supérfluo para o conhecimento. A natureza é descrita matematicamente, num contexto de símbolos que não têm relação alguma com o discurso e se tornam intraduzíveis por esse meio. As ciências adquirem um caráter progressivamente visual-simbólico e, após Darwin, a própria biologia é uma dialética sem retórica, uma simbologia matemática integral e, por sua vez, a economia, alienada da retórica, torna-se uma mera visão gráfica equacional. George Steiner enumera essas mudanças e acrescenta: “A Ética de Spinoza é uma tentativa de dar ao discurso a abstração do meramente visível, mas é uma tautologia elaborada. As palavras não são como os números, não contêm em si operações funcionais. Somadas ou divididas, produzem apenas outras palavras como aproximação de seu significado”. A lógica simbólica fornece, finalmente, no século XX, o meio de abandonar os últimos resíduos do cosmos acústico, após o que a aliança entre o mundo do discurso verbal e o plano auditivo se desfaz a tal ponto que nenhuma relação é mais permitida entre uma pintura e o discurso sobre ela, e a música perde o primado auditivo, desligada agora de uma ocasião social expressível verbalmente e desprovida de uma organização semelhante à do discurso sintático, sendo mais para ler do que para ouvir.
Estamos, portanto, num universo onde a racionalidade é silenciosa, não dialógica, e as comunicações entre os homens ocorrem sem ressoar ou evocar um ressoar.
O conhecimento místico ou a fides ex auditu paulina (Rm 10,17) afasta-se como nunca na história, pois é um conhecimento que nega o que os cinco sentidos afirmam, visando reaprender o que eles afirmam por meio da negação da negação. Falta a base mesma do conhecimento integral, auditivo e tátil, além do visual; hoje, o discurso é mera elocução retórica, uma dialética que opera com modelos espaciais ou símbolos equacionais. Para entender o misticismo, seria necessário resgatar o conhecimento pleno, fundado nos cinco sentidos, para então negá-lo e negar sua negação. Daí a situação quase inaudita de quem queira falar hoje de misticismo e, como essa condição coroa um processo milenar, o misticismo já há muito aparece como um retorno do visível ao audível, ao verbo.
Uma das definições do misticismo soa, portanto: conhecimento acústico do real ou da natureza acústica da realidade; é uma definição polêmica, dialética. Pois, quando predomina o conhecimento auditivo, apela-se, ao contrário, à visão, sendo o misticismo uma perpétua inversão. Por isso, Jalāl al-Dīn al-Rūmī (que, no entanto, teorizou sobre a origem ígnea dos sons, a natureza sacrificial da flauta, à qual se assemelha o amante de Deus) escreveu:
“O ouvido é um intermediário, o olho um amante em uníssono com o amado; o olho tem o êxtase, o ouvido tem as palavras que o prometem; o ouvir transforma a qualidade, o ver muda a essência. Se teu conhecimento do fogo é adquirido apenas por palavras, tenta cozinhar nele . Quando teu ouvido se apura, torna-se um olho; as palavras, de outro modo, ficam enredadas e não podem chegar ao coração.”
Por isso, os chineses afirmavam: “O verdadeiro sábio ouve com os olhos e vê com os ouvidos”. Mas a tendência predominante no misticismo, devido à necessidade de bloquear a propensão do discurso a se transformar numa visão de modelos, é a oposta. No Cântico dos Cânticos, diz-se: “Que verás na Sulamita senão os coros dos acampamentos?” (Ct 7,1), uma imagem militar de uma música ordenada, “que contém todas as coisas” e está associada ao Verbo, à “ciência da voz” (Sir 1,7), à medida do devir.
O som do sino é o fundamental que o iogue se treina a ouvir (o sino sendo o único instrumento que permite captar o hipotono), mas a meditação visa discernir os sons em conexão com as partes correspondentes do corpo.
Marius Schneider apontou a série de mitos segundo os quais
o criador não é senão um canto, instrumento musical ou caverna ressonante, de modo que é provável que a materialização do criador sob a forma de instrumento musical, gruta, corpo ou apenas cabeça humana ou animal não seja senão uma concessão ao mito para dar-lhe uma evidência mais concreta. Na realidade, o criador é um ser puramente acústico, um canto ou um grito emitido provavelmente com voz de cabeça, que instaura um mundo de sons e luz. O aparecimento da matéria é um ato posterior, considerado muitas vezes uma decadência.
Na maioria dos mitos, a criação do mundo material ocorre por obra de um morto-vivo; a Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad o descreve como um cantor morto e personificação da fome, ou seja, da vontade de formar as imagens da representação. O Deus realiza uma inversão que tece o mundo e se designa como “atrito, caminho ou sacrifício”. No princípio, houve um sacrifício sonoro, um vazio. Uma caixa de ressonância, vibrando, criou os sons, ou seja, os nomes das coisas, petrificados depois em aspectos visíveis. A natureza é um encantamento: se a penetramos, captamos sua contínua e vibrante metamorfose, a ouvimos e respondemos ao Criador com seus próprios sons, com um discante. O mago de tipo xamânico deve, para entrar em contato com a essência da vida, aprender a discernir a música oculta do universo, a reproduzir com a própria voz essa música secreta. Cabe a ele tornar-se uma caixa de ressonância, esvaziar-se, modular a respiração e suavizá-la; serve-se de instrumentos adequados para reproduzir o ato sonoro originário: zumbido, trovão, o marulhar, o urro bestial.
Da quietude ou morte originária surgiu, portanto, o desejo, a fome ou ânsia, e o Deus ou Verbo que daí nasceu se designa como trovão, estrela canora, aurora ressonante, canto luminoso. O som do Verbo é seu corpo, o sentido do Verbo é sua luz; na tradição védica, diz-se que o Verbo se espalhou no criado, cada tom musical corresponde a uma figura astral, a um momento do ano, a um setor da natureza, a uma parte do homem. Entre os místicos, aquele que melhor retomou o tema da música universal foi Ibn 'Arabī: nas Iluminações Mecanas, diz-se que os santos sabem que o êxtase precede a existência, porque “a palavra divina que suscita a unificação extática e enche o coração do conhecimento divino corresponde ao fiat que produziu sua existência”: esse fiat é ouvido na ponta da alma; na vida natural, ele é o jogo das quatro direções, dos quatro humores, “aos quais correspondem os quatro sons musicais , seu gozo e efeito estão enraizados no Verbo divino. Quem ouve um som conveniente ao seu temperamento não pode escapar à sua influência”.
A ação do princípio através do Céu é infinita em sua expansão, inapreensível em sua sutileza. Reside imperceptível em todos os seres, como causa deles e de todas as suas qualidades. Ressoa nos metais e nas sílex sonoras e está no choque que as faz vibrar. Sem a ação do princípio, nada haveria . O homem que dele extrai virtude de soberano caminha na simplicidade e se abstém de ocupar-se com coisas múltiplas.
Assim se expressou, melhor do que qualquer outro mestre chinês, Zhuangzi.
Ao homem é necessário remontar às origens cada vez que se aproxime da morte (solstício, doença, passagem de uma condição a outra). Ele deve sofrer uma morte ritual completa, sendo encantado, petrificado, depois esvaziado e feito ressoar (personare): apenas aquele que aceita e reverte periodicamente a petrificação e o silenciamento é capaz de crescer, de cantar uma existência nova. Isso se capta no Empédocles de Hölderlin: “O sacerdote vivo canto / como sangue de vítima em alegria / derramado oferecia”. Com esses versos, o poeta trazia de volta à vida o “júbilo que não se pode nem ocultar nem manifestar com discursos”: um júbilo que, nas palavras de Hugo de São Vitor, se expandia em canto, no vocalizar da letra A no último aleluia do gradual.
Nos primórdios da civilização ocidental, o pitagorismo determina com precisão a natureza acústica da realidade, estabelecendo uma relação exata entre som qualitativo (nota da escala) e sua determinação quantitativa (comprimento da corda, amplitude das vibrações): as relações entre as notas eram definíveis numericamente e, ao mesmo tempo, audíveis, a “matéria” e o “espírito” harmonizados pela correspondência; assim, a cada som que ressoa, reproduz-se em modelo mínimo a criação do universo, e cada ato de escuta atenta permite perceber a harmonia cósmica. Esse perceber-ver ouvindo é um paradoxo místico no qual insistirá sobretudo Filon de Alexandria, um paradoxo que, por outro lado, é verificável experimentalmente.
Uma corda esticada sobre a caixa de madeira do instrumento chamado monocórdio e dedilhada produz uma primeira nota, por exemplo, dó, seguida por dó' (uma oitava acima), sol', dó, mi, sol, si bemol, dó', ré', mi', fá sustenido', sol', lá', si bemol', si natural'. Tais sons são chamados harmônicos ou hipertônicos. Teoricamente (ou apenas ouvindo certos sinos), constrói-se uma série diferente (chamada hipotônica) com intervalos iguais, ou seja, de oitava, quinta, quarta etc. (partindo da mesma nota geradora, por exemplo, um dó, mas descendo: dó uma oitava abaixo, fá', dó, lá bemol' etc.). Da nota geradora partem duas séries, opostas não por convenção humana, mas por geração natural. As vibrações são recíprocas para os sons das duas séries. Partindo do dó (1/1), subindo à segunda nota, ao dó de uma oitava superior, as oscilações da corda serão o dobro (2/1); ao sol, ou seja, após um intervalo de quinta, serão o triplo (3/1); e ao dó que segue a um intervalo de quarta, o quádruplo (4/1) etc. Por outro lado, partindo sempre do dó gerador (1/1), na escala descendente, teremos oscilações cada vez menores: na oitava inferior, um dó que corresponde à metade, depois um fá que corresponde a um terço etc. Temos o seguinte esquema: 1/∞… 1/7, 1/6, 1/5, 1/4, 1/3, 1/2, 1/1, 2/1, 3/1, 4/1, 5/1, 6/1, 7/1… ∞/1.
Entre as frequências dos vários sons harmônicos e as frações vibrantes da corda, existe a mesma relação de reciprocidade que entre as harmônicas das duas séries opostas. Ao dó gerador, a frequência é 1/1, e toda a extensão da corda está em vibração (ou seja, 1/1); ao dó da oitava superior, a frequência é o dobro, metade da corda está em vibração; ao sol que segue com intervalo de quinta, a frequência é o triplo, e um terço da corda está em vibração. Dessas correspondências, temos diversas verificações, além daquela no monocórdio: até os golpes dos ferreiros na bigorna suscitam harmônicos e faíscas, donde a sacralidade do ferreiro.
Laso de Hermione julgando que a velocidade e a lentidão das vibrações que produzem os acordes pudessem ser expressas segundo a série das relações numéricas, obtinha essas relações servindo-se de vasos. Tomava alguns vasos todos iguais e, enquanto deixava um vazio, enchia o segundo de água até a metade; depois os percutia ambos e obtinha o acorde de oitava. Em seguida, deixando ainda vazio um dos vasos, enchia o outro até um quarto, e novamente os percutia ambos, obtendo o acorde de quarta: o acorde de quinta obtinha quando enchia um vaso até um terço. A relação entre o vazio de um vaso e o do outro era, portanto, de 2 para 1 no acorde de oitava, de 3 para 2 no acorde de quinta, de 4 para 3 no acorde de quarta.
As duas séries recíprocas podem ser dispostas nos lados de um ângulo, no vértice do qual se dá o valor de 1/1; no côncavo do ângulo, podem-se traçar paralelas aos dois lados, sobre as quais se repetem as séries. A figura é rica em ensinamentos: as notas ou valores iguais são ligadas por linhas que se encontram num ponto acima do vértice, ao qual se pode dar o valor de 0; a diagonal da figura tem valores iguais a 1.
Dessas construções e relações derivam algumas proposições fundamentais, entre as quais esta: o olho vê em perspectiva o que é equidistante, o ouvido ouve como equidistante o que está em perspectiva (o dó repetido subindo cinco oitavas superiores, ou seja, a série de cinco dós equidistantes, equivale às frequências 1, 2, 4, 8, 16, postas a distâncias estreitadas, ou seja, em perspectiva). O ouvido capta a qualidade dos objetos que depois o olho pode medir em razão recíproca.
Derivam ainda as proposições pitagóricas sobre o número e a harmonia como segredo do universo, ou seja, como ponto de mediação entre o plano acústico e o visível. Assim, a afirmação de Filolau, de que o mundo é constituído por um princípio limitante e outro ilimitante, explica-se com as duas séries geradas pelo som fundamental, que têm valores tendendo respectivamente ao infinito e a zero, de modo que todo som está em função dessas duas séries ou tensões.
Proclo expôs com clareza esses princípios, estendendo-os às várias ordens do universo.
A alma, na medida em que mede sua vida pelos recomeços e ciclos periódicos e na medida em que introduz um limite a seus movimentos, é conduzida sob a causa do determinante; na medida em que não tem interrupção alguma nos movimentos, mas faz com que o término de um ciclo seja o princípio de uma segunda evolução cíclica inteira , realiza uma ação dominada pela indeterminação.
Explica em termos mais simples essa verdade o cardeal Giovanni Bona em seu Curso de vida espiritual, dizendo que a concupiscência, ou seja, o apetite ainda não alcançado do bem, divide-se em natural — como o desejo de comida ou bebida — e antinatural, pelo qual se anseiam coisas ao arbítrio da razão, como honra, glória, ciências, fama, riquezas: “ é limitado, porque a natureza não vai ao infinito , estes, porém, são sem limite, porque a ambição humana não é contida por limite algum”. Mas também o sobrenatural é limitado, tanto porque em seu limite é semelhante ao natural quanto porque em seu objeto é semelhante ao antinatural, de modo que quem deseja ardentemente os bens temporais naturais para servir a Deus “tem um limite ao seu desejo, contentando-se com o que é suficiente e adequado ao fim proposto”.
Masculina é a série ascendente (o fogo, a direita, a luz), feminina a descendente (a terra, a pedra, a esquerda, as trevas): a música ensina as harmonias entre cada elemento contraditório do universo, por isso “se aplica” a toda ordem de coisas. O Ṛgveda (I, 164, 11) afirma: “A roda da natureza, de doze raios, que nunca cai e, no entanto, se aproxima do céu, sobre ela, ó Fogo, estão os 720 filhos aos pares”, e interpreta-se que a roda do ano está dividida em doze meses de 360 dias (ou graus) e 360 noites e paira em equilíbrio, ou ainda que o cosmos, acústico em sua essência, está dividido nos doze sons (tons e semitons) e também nas variedades do senário (multiplicando os primeiros seis números sucessivamente, 1 por 2, por 3, por 4 etc., obtém-se 720), ou seja, dos seis intervalos que formam consonância entre si, sendo a sétima o início da dissonância.
A correspondência entre a ordem das estações (trabalho agrícola, pastoril, caça, ou seja, todo trabalho manual humano) e a acústica foi formulada por Julius Schwabe. A nota geradora é o eixo da rotação solar, e se o solstício de inverno valesse como nota geradora, as duas séries, ascendente e descendente, corresponderiam aos dois lados do ano, com valores recíprocos entre si para os signos que estão um de frente para o outro, e as mesmas porções do círculo zodiacal em um e outro lado são regidas pelo mesmo planeta. A diferença é que, enquanto os sons podem teoricamente constituir duas séries infinitas, o zodíaco, após a sétima razão (7/1 e 1/7), une seus lados para formar um círculo, ou seja, após o senário de notas consonantes, faz coincidir duas sétimas dissonantes. O ano deve superar essa coincidência das sétimas menor e maior, e isso só é concedido alternando a vida entre o zodíaco lunar e o solar. As danças sagradas, as celebrações de solstícios e equinócios, de luas novas e cheias, os ritos de cura ensinam plasticamente ao homem a igualação de si mesmo com o Deus solar que atravessa as armadilhas do zodíaco e o harmoniza com o mundo e o trabalho, assemelhando sua doença à crise necessária do Escorpião, à dissonância que se resolve por meio da modulação.
